26.10.12

Relação rompida.


Não me lembro bem o dia em que desisti da cozinha. Peraí.. façamos um texto honesto aqui: não sei bem o dia em que a cozinha desistiu de mim. Lembro de ela ter fechado as gavetas, guardado as panelas no armário e esvaziado a geladeira só para eu não ter a ousadia de juntar alguns ingredientes e colocá-los no fogão.

Para mim, foi uma decepção ter rompido uma relação que poderia no futuro ser bem saborosa. Mas ela não me deu chances. Uma pena! Eu sonhava com o dia em que teria um prato especial, aquele que só eu saberia fazer tão bem e que todos me pediriam. Sonhava com o dia em que chamaria amigos e familiares para um banquete preparado por mim. Ao final, ouviria elogios e veria barrigas cheias, com braguilhas abertas, e ainda alguns pedidos de quentinha dos mais caras de pau. Os mais contidos pediriam a receita. Eu diria: “claro”, sabendo que o prato deles poderia até ficar bom, mas nunca seria igual o meu. Conquistaria todos pelo paladar.

No entanto, o sonho nunca pôde ser concretizado. Entre tantas tentativas de me firmar no fogão, teve torrada tão torrada que mais parecia carvão, arroz com aparência de risoto (o sabor não), empanado de frango congelado por dentro, mas queimado por fora... muitas especialidades, como você pode ver. Pena que não sejam apreciadas pelo grande público. Tudo bem, assumo! Eu era péssima. Nunca pude dar à minha mãe o orgulho de ter uma filha de mão cheia na cozinha. E muito menos, fisgar um rapaz pela boca, como se diz por aí. Que sina a minha! Confesso que, na infância (e até hoje), fazer bolos de areia em formato de coração era bem mais fácil.

Um pouco de prática, talvez? Eu bem me esforçava. Receita no balcão, respiração controlada, instrumentos ao alcance... mãos à massa. Fazia tudo conforme o recomendado. Mas a cozinha me sabotava. Sim! A cozinha! Não sei qual o problema dela comigo, mas sei que era pessoal. Ora a colher escorregava da mão; ora o fogo não acendia; noutras vezes, o leite fervia depressa demais. O ovo quebrava com casca e tudo no frigideira, o açúcar acabava exatamente quando eu precisava, o óleo pipocava na minha cara... Acho que é falta de empatia mesmo, sabe?! Olhei pra ela, ela olhou pra mim, e o santo não bateu.

São muitos mistérios, muitos detalhes. Cá entre nós, não tenho mesmo vocação para isso. Quem consegue dominar a cozinha realmente merece um prêmio. Morro de inveja de quem sabe fazer um prato especial em um dia qualquer. Morro de amores por homens que colocam o avental. Eu? Sou boa mesmo é em comer. Abro a braguilha, elogio e ainda peço a tal quentinha. Receita eu não cobro não. Peço um novo convite e levo uma garrafa de vinho em retribuição. A qualidade é mais garantida.

Depois que a cozinha não me quis nos bastidores, quem não quer mais fazer parte do show sou eu. Nossa relação ficou bem mais palatável assim. Água e óleo não se misturam. Pois bem, nada os impede de ficarem juntos. Assim ficamos, se é para visitá-la, que seja na hora das refeições.

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