26.11.13

As avós e a saudade.

De repente, a palavra ‘avó’ fanhou novo significado para mim: saudade. Foram 40 dias para ver pai e mãe órfãos. Perdi as duas, assim, de uma vez. Elas foram e deixaram tanta coisa boa, tanto ensinamento importante. Foram, mas ficaram bem aqui, do lado de dentro.

As lembranças passeiam soltas na mente. É a certeza de que existiram, como o sabor do prato de macarrão da vó Nair. O paladar nunca mais ficará satisfeito sem aquele macarrão e o almoço de sábado já não tem endereço fixo. Eu até lembro da última vez que o saboreei. Cheguei, como de praxe, e ela já foi falando “tá sumida”. As justificativas de falta de tempo parecem bobas hoje. O que é mais importante do que esses momentos, afinal?

Depois de dias na UTI, finalmente a encontrei no quarto de hospital. Foi a última vez que a vi. “Seu cabelo tá grande, Jéssica”, disse, carinhosa, sabendo que deixo o cabelo crescer há meses. Ela estava lá com aqueles olhos azuis, tão bonitos, bem abertos dessa vez. Tive muita esperança de que ela ficasse boa e fico feliz por esta ser a última lembrança dela, sem tubos, e sem tantos fios furando a pele frágil.

Queria que ela não tivesse sofrido tanto. Logo ela, que tinha uma saúde tão boa, que recusava carona quando a encontrávamos na missa. “Eu gosto de caminhar”. Ficou dois meses presa na cama, com os ossos frágeis. E apesar do momento triste, do susto e do cansaço, foi forte como poucos. Teve fé e manteve os olhos azuis abertos. Aceitou a morte sabendo que cumpriu a função. Como foi doce minha vó.

E se é pra falar em doçura, falo da vó Porfiria. Tão suave, exceto pelo abraço apertado que fazia o esqueleto das dezenas de netos mirrados se comprimirem. Era bom aquele aperto paraibano. Ele vinha seguido de uma bronca pela demora em visitá-la. Nos últimos dias eu estava de férias e ia vê-la várias vezes por semana, tirando o direito dela reclamar de qualquer abandono. Espero que tenha notado. Era atenta.


Lembro dela bem quietinha enquanto os muitos familiares - 13 filhos, vários netos, bisnetos e dois tataranetos - tagarelavam na pequena casa que por anos foi ponto de encontro da família. “Eu fiz uma família muito grande”, me disse uma vez, satisfeita, numa dessas reuniões. Um mês atrás, se recusou a sentar na mesa para dar lugar aos outros. Coração lindo o dela.

Essa quietude acho que herdei. Ficar no canto observando enquanto as outras pessoas falam sem parar. Ela observando a todos, eu a observando. O jeito sereno de quem já viveu muito - nasceu em 1920 - e viveu bem; de quem tem tudo sobre controle: o número de filhos e de filhos de filhos. Num ano novo, me tirou no amigo-oculto e para me revelar falou que tinha tirado a neta mais nova. Eu nem sabia que era eu. Depois de mim, uma penca de netos ainda, mas fui a última mulher. Que sorte o cargo de caçula.

Eu acho as duas incríveis e a ida delas deixa um vazio aqui na vida. As datas, escolheram a dedo. A primeira, devota de Nossa Senhora Aparecida, foi embora no dia da santa. A outra, esperou o aniversário de 93 anos para encerrar o ciclo. Sei que essa sensação de falta é compartilhada com familiares e amigos. Assim é bom que a gente se consola, e ri junto das lembranças boas, chora abraçado por causa da saudade. Ambas representam união nas famílias que criaram com tanta dedicação, e é assim que elas gostariam de nos ver.

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